O leite é o primeiro alimento consumido pelo homem e deve ser consumido com exclusividade até os 6 meses de idade, segundo a Organização Mundial da Saúde (1). Porém, muitos acreditam que o leite deve ser só o primeiro alimento, sendo consumido durante a fase de amamentação e não devendo mais fazer parte da dieta após esta fase.
A espécie humana é a única na natureza que teve a capacidade de desenvolver a pecuária, entre outras atividades para garantir sua sobrevivência. Além disto, é a espécie com o maior grau de desenvolvimento e inteligência da natureza, o que pode ser devido à diversidade de sua dieta… Estes fatos já nos levam a refletir sobre o assunto com mais cuidado.
A seguir, vamos conhecer um pouco mais sobre a importância do leite e suas propriedades nutricionais, entendendo que os alimentos lácteos devem fazer parte de uma alimentação equilibrada durante toda a vida.
O leite de vaca tem composição nutricional que pode variar de acordo com a raça do animal, a alimentação, o tempo de gestação, a estação do ano, os intervalos entre as ordenhas, entre outros fatores. O leite de vaca é composto, em média, por água (87,5%), gordura (3,6%), proteínas (3,6%), lactose (4,5%), sais minerais (0,8%) (2).
As proteínas do leite, de alto valor biológico, contemplam um perfil aminoacídico com todos os aminoácidos essenciais, e compreendem as caseínas (80%) e as proteínas do soro (3). As caseínas, são proteínas altamente estáveis e não são facilmente alteradas pelo calor (4). As proteínas do soro do leite estimulam a síntese de proteínas sanguíneas e teciduais, uma vez que são proteínas de fácil digestão (por não sofrerem alterações conformacionais pelos ácidos estomacais) e, portanto, seus aminoácidos são rapidamente absorvidos pelo intestino delgado, o que eleva rapidamente a concentração plasmática de aminoácidos, fazendo com que estas proteínas sejam consideradas proteínas de rápida metabolização, ideal para situações de estresse metabólico (3,5). Ainda, as proteínas do soro do leite revelam atividades imunomoduladoras, antimicrobiana, antiviral, e função protetora da mucosa gástrica e do sistema cardiovascular (3).
Além das proteínas, os minerais estão presentes em abundância no leite. Os mais predominantes são o cálcio, o fósforo e o magnésio. Essencial para a saúde óssea e para a regulação de processos intracelulares, o cálcio representa de 1 a 2% do peso corporal de um adulto, tamanha a sua importância (6). O consumo adequado de cálcio durante toda a vida é fundamental para a prevenção da osteoporose, doença que afeta a arquitetura dos ossos, gerando maior fragilidade óssea e fraturas. O consumo diário de leite e derivados reduz o risco de osteoporose, pois os lácteos são as principais fontes de cálcio, em quantidade e percentual de absorção.
As vitaminas também estão presentes no leite, o que reforça sua importância nutricional. Lipossolúvel, a vitamina A é abundante no leite integral e em quantidades proporcionalmente menores nas versões semidesnatado e desnatado. Para as crianças o leite é a principal fonte de vitamina A, portanto deve ser considerado o teor de gordura dos produtos lácteos destinados ao consumo das crianças.
Atualmente, muitos classificam a gordura do leite como vilã para a saúde cardiovascular, havendo uma crescente demanda no consumo das versões lácteas sem gordura. Contudo, desde a década de 90, a ciência vem demonstrando que o consumo do leite integral tem efeito protetor na saúde cardiovascular (7,8).
Não poderíamos deixar de falar da tão em moda, lactose! O açúcar do leite é um dissacarídeo composto por glicose e galactose. A lactose fornece energia ao corpo, contribuindo para o equilíbrio orgânico e a restrição de seu consumo deve acontecer somente se houver uma intolerância diagnosticada. Falaremos mais adiante sobre este aspecto!
Dito isto, é fato que o leite é um alimento com atributos nutricionais relevantes e essenciais, sendo o leite e seus derivados as principais fontes de cálcio e alimentos altamente proteicos, com proteínas de alto valor biológico.
Também é fato que para aqueles com alergia a proteína do leite ou intolerância à lactose, o leite pode ser restringido da dieta como parte da terapia nutricional, sempre com orientação de um profissional.
Alergia a proteína do leite e intolerância a lactose são coisas diferentes!
Quando há uma reação do sistema imunológico (do tipo IgE) às frações proteicas do leite, temos o quadro de alergia à proteína do leite, havendo manifestações cutâneas e digestivas (9) e, neste caso, o consumo de leite e derivados deve ser substituído, sempre com orientação e acompanhamento de um profissional nutricionista. Já a intolerância à lactose é caracterizada pela deficiência (total ou parcial) da enzima lactase, que participa da digestão da lactose e, neste caso os sintomas são sempre digestivos, pois não houve a correta digestão de um nutriente (10). Para esta condição digestiva, que varia desde manifestações leves até as mais graves, o consumo de lácteos é permitido, sempre levando em consideração a severidade do caso, podendo a intolerância ser momentânea e, em alguns casos, revertida.
É fundamental que as pessoas tenham conhecimento sobre a diferença destas condições – alergia ou intolerância – e saber que se não houverem restrições clínicas corretamente diagnosticadas, o consumo do leite não fará nenhum mal, não trará nenhum problema, pelo contrário, só trará benefícios para a saúde!
Notadamente, do ponto de vista nutricional, o leite não deve ser excluído da dieta. Não se deve, por argumentos infundados e de apelo estético, excluir este grupo alimentar da dieta. Portanto, o leite e seus derivados devem continuar fazendo parte da alimentação dos humanos durante toda a vida!
Discussões sobre a pecuária, a sustentabilidade do agronegócio e o impacto no meio ambiente, é uma discussão a parte! Sabido é, que do ponto de vista nutricional, a exclusão do leite e seus derivados da dieta de pessoas saudáveis, não tem fundamento.
Artigo de Ana Paula Wolf Tasca Del’Arco – Nutricionista CRN-3 18223 Doutoranda pelo Dpto. Pediatria da UNIFESP; Mestre em Ciência dos Alimentos pela UNESP e Nutricionista. Sócio proprietária da Capitão Pão Consultoria em Nutrição. Atualmente é membro da Câmara Técnica do Conselho Regional de Nutricionistas 3ª região. Pesquisadora e Gerente em Saúde e Nutrição na Danone Brasil (2008-2014); Coordenadora da Força Tarefa de Alimentos Funcionais do ILSI Brasil (International Life Sciences Institute) (2008-2010).
Referências:
(1) World Health Organization (WHO). The optimal duration of exclusive breastfeeding – Report of an Expert Consultation. Geneva:2001. (2) Behmer MLA. Tecnologia do leite. São Paulo: 13 ed. Ed.Noel. 1999. (3) Sgarbieri VC. Physiological-functional properties of milk whey proteins. Rev. Nutr. 2004;17(4):397-409. (4) Freitas Filho JR, et al. Avaliação do teor de caseína e albumina no leite de vacas da raça girolanda. Rev Bras Tecnol Agroindustrial. 2009;3(1):42-8. (5) Dangin M, Boiurie Y, Garcia-Rodena C, Gachon P, Fauquant J, Callier P, et al. The digestion rate is an independent regulating factor of post prandial protein retention. Am J Physiol Endocrin Metab 2001;280:E340-E8. (6) Martini, L. Funções plenamente reconhecidas de nutrientes: Cálcio. Comitê de Nutrição, International Life Science Institute Brasil. 2008;1. (7) Williams D. Milk decreases heart attacks. Alternatives Newsletter. 1991. Disponível em: http://www.realmilk.com/heart_disease.html (8) Monteiro C. Leite gordo: benéficos efeitos na redução de doença cardíaca e derrame. Instituto de Combate ao Enfarte do Miocárdio. 2010. Disponível em: http://www.infarctcombat.org/polemica-46/icem.html (9) Toporovsky MS et al. Alergia ao leite de vaca. In: Lopez e Campos. Tratado de Pediatria – Sociedade Brasileira de Pediatria. São Paulo. Ed.Manole. 2007. p.863- 71. (10) Morais MB. Intolerância à lactose: fatos e mitos. Saúde e Nutrição.
Fonte: http://www.crn3.org.br/Areas/Admin/Content/upload/tiny-02032016125041.pdf / http://nutrociencia.com.br/leite-devemos-exclui-lo-da-dieta/